Cinderela Surda: videobook
As versões em videobook podem ser encontradas com as seguintes
estruturas: apenas intérpretes em Libras ou atores Surdos com teatralização; ou
legenda em português + desenho + intérprete em Libras (podendo, em alguns
casos, a legenda ser removida nas configurações do vídeo), a qual foi a versão
escolhida para análise deste artigo, como mostra a Figura 3.
Por apresentar essa estrutura, muitos acreditam que a Libras é a
representação gestual da língua portuguesa. Porém, é equivocado afirmar que,
quando vemos a versão em vídeobook de Cinderela Surda, com um intérprete a
sinalizar a história e logo abaixo a presença de uma legenda em português, estamos
vendo o intérprete a falar a versão gesticulada do português escrito, ou seja,
é errôneo pensar que ambas são a mesma língua.
Na verdade, falar e escrever são maneiras diferentes de dizer e
expressar-se pela linguagem, como nos lembra Halliday (1989); isto é, a escrita
não incorpora toda a significação contida na fala e, por outro lado, a fala não
apresenta a estruturação e organização de ideias que a escrita proporciona.
Além disso, a fala e a escrita relatam diferentes pontos de vista de um
acontecimento, ou seja, o que é registrado pela escrita permanecerá intacto, diferente
do que é registrado na fala, que pode sofrer diferentes narrativas dos
acontecimentos. Desse modo, há uma grande diferença entre língua e escrita. A
língua está relacionada à oralização (fala), que sofre constantes mudanças
dialetais, diacrônicas, etnográficas juntamente com contrações de palavras,
ocorrendo de maneira coloquial, ou seja, sem quaisquer restrições das normas
gramaticais. Por outro lado, a escrita é o registro grafado da fala seguindo,
na maioria das vezes, regras de gramática, o que nos permite entender o fato de
muitos associarem os sinais como a fala gestual do português brasileiro, e não
como uma outra língua com estrutura e característica distinta.
No videobook, a intérprete, com o uso de unidades de códigos dentro da
língua de sinais, traduz o texto presente na legenda para a Libras. Deve-se
considerar, também, que a expressão facial/corporal faz-se de grande
importância durante esta tradução, visto que ela colabora para que haja uma boa
transmissão do significado de cada sinal. Logo, no que diz respeito a tradução
interlingual em contexto do português para Libras, deve-se considerar
parâmetros fonológicos como configuração da mão, ponto de articulação,
orientação da mão, movimento, expressão não-manuais (facial e corporal) como
parte das unidades de códigos importantes para esta tradução.
Portanto, um dos processos de tradução que se apresenta na obra
Cinderela Surda livro físico e videobook é o de tradução interlingual, sendo
que na versão física a tradução acontece do signwriting para o português, tendo
o objetivo de mostrar a criança Surda que existe um registro, apesar de pouco
conhecido, da língua de sinais. Por outro lado, na versão videobook, a tradução
ocorre da legenda em português para a Libras falada/interpretada pelo
profissional intérprete que é o modo de tradução/ interpretação comumente visto
quando se trata de levar conteúdo para o Surdos, o que cria a percepção
equivocada de que Libras é a versão gestual do português.